Editorial

O ex-presidente Lula veio a público pedir desculpas pela “frase totalmente infeliz” verbalizada numa entrevista à Revista Carta Capital desta semana: “Quando eu vejo os discursos dessas pessoas, quando eu vejo essas pessoas acharem bonito que ‘tem que vender tudo o que é público’, que ‘o público não presta nada’, ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus. Porque esse monstro está permitindo que os cegos comecem a enxergar que apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises. Essa crise do coronavírus, somente o Estado pode resolver isso, como foi a crise de 2008”. Vamos concordar que Lula não pensa, e se pensasse, não diria que o tal “monstro” está fazendo um bem à humanidade e ao Brasil. Mas ele parece comemorar que, na falta de competência do seu partido para convencer o eleitorado e o Congresso a rejeitarem as reformas e o plano de desestatização do governo, o coronavírus surge como um valioso aliado. Na verdade, por trás desta frase infeliz existe uma ideia infeliz, que é a rejeição de Lula e do seu partido a uma reestruturação do Estado brasiileiro, que passa pelas reformas e pelo reequilíbrio das finanças públicas. Claro que, diante de uma calamidade, o Estado tem que recorrer a todos os seus instrumentos, adiando as medidas estruturais, para fortalecer o sistema médico-hospitar e, ao mesmo tempo, moderar os impactos negativos decorrentes da paralisação da economia. Bolsonaro não queria parar a economia, o que constitui um absurdo, diante da crise sanitária. Mas, diante da paralisação, mesmo o ultra-liberal ministro Paulo Guedes concorda com a atuação do Estado e está implementando vários projetos para proteger a população mais pobre, compensar as dificuldades dos informais, moderar a demissão de trabalhadores e financiar o capital de giro das empresas para sobreviverem ao colapso. O governo deve ser criticado porque atrasou na adoção das medidas, e ainda está enrolado em dificuldades burocráticas para sua viabilização, mas não se pode acusar o Ministério da Economia de confiar exclusivamente no mercado para enfrentar a crise. E como as iniciativas do governo na calamidade, para amenizar o impacto da recessão, vão gerar um déficit público monstruoso (fala-se em R$ 800 bilhões), o ajuste fiscal e a desestatização da economia serão ainda mais relevantes (além de mais penosos) no pós-crise. Todo o contrário do que pensa Lula.