A Laura? Mesma coisa, mãe. Parece que está agitando umas frentes de trabalho por aí. É coisa que não vai muito longe, a gente logo percebe. Não, não sei, ela falou vagamente. Eu só disse para ela não se meter em encrenca. Sim, concordo, espero que já tenha aprendido. Mas agora foi uma amiga que convidou. Pelo menos ela está se mexendo, está batendo as asas. Notar o quê, mãe? Sim, pode ser o remédio, não sei. Essas coisas vão perdendo o efeito com o tempo e acho que o médico vai reforçar a dosagem. Marcou, marcou sim. Ela me disse. Tchau, mãe. Digo, digo sim, pode deixar. É, acho que a gente ficou de se ver na terça-feira, se D’ us quiser. E se a Laura não tiver de novo confundido as datas!
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Eu sempre digo que é a patroa mais bonita dali. Todo mundo gosta dela. Tempo desse seu Marcos veio me perguntar, assim como quem não quer nada, se ela estava bem. Que achava ela meio cansada, dormindo pouco. É lógico que eu sei que tem alguma coisa no ar. Até a filha dela me ligou pra saber de Milos. Se ele estava comendo bem, se tinha ido ao veterinário. E logo desconversou pra perguntar da mãe. Eu disse que ela estava de conversa com uma amiga para abrir uma papelaria. Sozinha com dona Laura, aí eu brinquei: a senhora agora vai comer berinjela, é?Comprou uma graúda que nem um melão. Aí ela riu e disse que era pra fazer chá para o colesterol de seu Marcos. E eu que achava que tinha sido só distração! Quem anda jururu é Milos, mas ela não descuida dele, o bichinho. De noite, eles saem pra dar uma volta. Agora que ela mudou, mudou. Sei não… mas acho que sei! Faz ela bem!
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Ela está agitada demais, mas continua muito legal. Quando eu falei que a gente já está pensando em viajar de novo, ela nem perguntou pra onde. É como se estivesse em outra órbita. Parece mais que ela arranjou um irmão meu por aí pra cuidar, como se tivesse outro filho que eu não conhecesse. Acho que já sei o que é: ela ficou parada muito tempo, e está louca pra fazer alguma coisa. Não, pelo contrário, não há nada de errado nisso! Eu só acho que ela está atropelando as coisas, engolindo as etapas, voando feito borboleta ou beija-flor. O termômetro vem aí. Vai ser nos feriados que a gente vai conviver mais. Se o olhar dela continuar agitado, aí eu vou sugerir que ela vá ao médico. Dizem que reposição hormonal pode provocar isso. Acho que deve ser por aí. É claro que o Marcos percebe. Já meu pai quando pergunta dela, sempre sorri. Mas é um sorriso irônico, quase triste.
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Quando ela pega a coleira, eu esqueço tudo. A vontade de fazer xixi às vezes é tanta que fico com medo que ela me aperte no elevador e eu não aguente e me molhe. O passeio agora acontece mais tarde, e eu já não consigo identificar na rua quem passou por ali antes de mim. Tem horas que ela me pega e me beija como se nunca tivesse me visto. Ou como se fosse viajar e sumir. Ela entende que eu não estou gostando, mas sabe como me desarmar. O cheiro dela mudou. Percebo pelas botas que ela andou por lugares onde nunca me levou. A roupa dela tem cheiro de limão. O solado cheira a cachorros estranhos. Grrrr!
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É claro que eu não posso falar tudo. E depois nem eu saberia o que alegar sem me enrolar. Tem horas que eu tenho vontade de dizer: pense o que quiser, faça o que quiser, viva e deixe viver. Não só para ele, mas para todo mundo. É claro que aprendi as lições, mas vida é renovação, é aprendizado, é uma cascata de novos erros. E, pombas, passa rápido. Não, não. Eu não tenho nada a reprovar nem a ele nem a ninguém. Só não quero minha sogra me inquirindo aos berros sobre o que fiz ou o que deixei de fazer. O que vai acontecer? Não sei. O que você faz no tsunami? Melhor surfar ou ir para baixo até ele passar? Só não quero subir a montanha e ver tudo de longe – como vi fazerem as borboletas azuis de Fukushima, num vídeo amador. O melhor é tentar fazer os dois. Surfar e sumir até onde der. Não, quando eu casei eu já sabia que ele confiava bastante na força do sentimento. E nem desconfiava que um dia isso não me bastaria, que eu ia mudar. E olhe que eu passei sinais, apesar de agora tudo estar acontecendo muito rápido. É claro que fico com pena, mas eu só vou me sentir decolando no dia em que puder chorar com alguém por três dias e não ouvir nenhuma pergunta sobre minhas lágrimas. Como? Homem, claro. E se eu te disser que já achei? Ele me ajuda a lavar a alma, a me sentir querida, quase importante. Até demais… Ele adora azul. Quando ligo pra Isa agora, eu digo: Hi, this is the blue butterfly. É como se a gente voltasse aos tempos da agência.
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