No princípio, era o verbo. E o verbo era Gilberto Freyre. Um Gilberto Freyre que clamava, no parlamento brasileiro, por uma homenagem mais perene ao centenário de nascimento de Joaquim Nabuco, cujo natal transcorrera num 19 de agosto de 1849. Freyre clamava por um Instituto de Pesquisas Sociais que se dedicasse ao Norte e Nordeste do País e, ao subir na tribuna, já portava um invejável currículo e uma incessante atividade política e cultural.
Ao invocar Nabuco e seu legado, o autor de “Casa-grande & Senzala”, àquela altura já consagrado, sabia-se de fato seu principal epígono, o discípulo daquele em quem enxergou um “reformador social”. Para limar possíveis ciúmes e não fugir a uma sensata simetria, Freyre acenava com mais dois institutos de pesquisa a serem futuramente criados: um para a região central e outro para a região meridional do País. Mas o foco imediato, por óbvias razões, era o Recife, era Pernambuco, a terra natal do grande homenageado e, por extensão, o Nordeste e o Norte do Brasil. Assim, por iniciativa do então deputado federal Gilberto Freyre, nasceu o Instituto Joaquim Nabuco, posteriormente rebatizado de Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, hoje Fundação Joaquim Nabuco, uma instituição do Ministério da Educação.
À semelhança do seu criador, a criatura fez-se plural. Plural e, de certa forma, elitista, mas oportunamente dúctil. Até porque não é fácil sobreviver num país em que, como já se afirmou, as coisas criadas logo são ruínas. E ainda com o agravante de se situar no Nordeste, região diante da qual os privilegiados e ricos de outras regiões brasileiras nunca sabem se elogiam as praias ou se deploram a miséria social. Como quer que seja, a Fundação Joaquim Nabuco soube se impor, não só por conta de sua singular criação, mas também por ser uma criação coletiva, como a classificaria o sociólogo italiano Domenico de Masi. Criação coletiva e pessoal, e muito mais aquela do que esta, a Fundação Joaquim Nabuco reuniu, como já apontei em outro momento, em seu histórico processo de formação, circunstâncias e atores excepcionais que a fizeram praticamente similar aos grandes grupos europeus e criativos estudados por Domenico De Masi nos seus livros A Emoção e a Regra e Criatividade e Grupos Criativos.
Permitam-me, neste artigo comemorativo, uma incontornável nota pessoal. Tive o privilégio e o orgulho de trabalhar na Fundação Joaquim Nabuco de dezembro de 1983 a setembro de 2016, na maior parte do tempo como servidor concursado. De meus verdes anos à aposentadoria, tive o prazer de experimentar corretas e oportunas as palavras de Celso Furtado ao considerar a Fundaj “uma verdadeira universidade”. E que universidade! “Vi muitas nuvens!”, como diria Riobaldo no início do “Grande Sertão: Veredas”: mudanças, metamorfoses, adaptações, algumas das quais de grande tensão entre o centralismo de Brasília, seus “superiores” interesses políticos, e os anseios locais e regionais. Como quer que seja, o saldo foi positivo à Instituição, sobretudo se imaginarmos que o polêmico apoio de Gilberto Freyre ao regime de 1964 resultou em prestígio para ampliações significativas, levando a Fundação a se instalar em três “campi” em três bairros da capital pernambucana. Em 1980, o auge: um antigo sonho se transformou em pujante realidade: o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais passava a ser administrativamente uma fundação pública.
À parte tantas histórias e narrativas, a Fundação Joaquim Nabuco sempre foi o lugar da pesquisa social, do ensino e da memória. Se foi pioneira e de excelência em muitas de suas pesquisas, também soube ser, até os dias que correm, um fecundo ecossistema da memória e da disseminação da cultura, haja vista seus valiosíssimos acervos documentais e suas publicações acadêmicas produzidas pela Editora Massangana, sem falar no seu Museu do Homem do Nordeste e de sua exemplar e magnífica Biblioteca Blanche Knopf. A isso acrescente-se que talvez nenhuma outra instituição cultural nordestina tenha recebido, ao longo de suas atividades, tantos intelectuais, artistas e especialistas das mais diversas áreas e dos mais diversos quadrantes do País e do exterior, sem falar de personalidades públicas como ministros, políticos, gestores e empresários. Escusado dizer que também à sombra da Instituição formaram-se e viveram escritores, poetas, críticos de arte, artistas e gestores culturais e, naturalmente, muitos pesquisadores sociais.
Vou terminando por aqui. Não porque não tenha mais a dizer, muito pelo contrário, sobretudo se me detivesse em grandes e inesquecíveis personalidades que deram o melhor de si à Instituição, algumas das quais entranhadamente ligadas à minha discreta vida institucional, alguns das quais meus consumados mestres e amigos. Vou terminando com a pátina azul da gratidão e com o ardente desejo de longa vida à Fundação Joaquim Nabuco! Glória aos que nos antecederam, vitória e êxito aos que virão, um grande sucesso aos que hoje a levam adiante! Mais do que nunca, precisamos do saber e de sua ousadia, da memória e de sua clarividência.
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