Emmanuel Macron vai ao segundo turno. Tendo sido o mais votado no primeiro turno da eleição presidencial francesa.
Macron foi ligado ao Partido Socialista – PS. Participou do fragilizado governo de François Hollande. Criou há um ano um movimento político intitulado Em Marcha. Nunca negou ter atuado no sistema financeiro. Na prática, é um dissidente do socialismo. Que vestiu o figurino social liberal.
Ou seja, reconhece a importância do Estado, Como regulador econômico. E como mediador social. Mas entende que o mercado é elemento fundamental para a sociedade. E para a economia. Na produtividade, na inovação, no equilíbrio das forças sociais. E para a sustentabilidade fiscal.
Provavelmente, ele será eleito presidente da França. Não só pela raiz sensata de seu discurso. Mas também porque sua concorrente, no segundo turno, Marine Le Pen, traduz um tipo de radicalização que o povo francês parece não querer experimentar.
Muito bem. Recuemos um pouco no tempo. Há cinco meses, o eleitorado norte americano elegeu Donald Trump presidente da República dos Estados Unidos. Trump é empresário, claro dissidente da linha tradicional do Partido Republicano. E é uma figura polêmica. Não só por trechos obscuros de sua atuação empresarial. Mas também porque assume comportamento político inusitado. Como atacar a imprensa. E cortar a palavra de jornalistas durante entrevistas coletivas.
Uma interpretação aceitável da eleição de Trump é que ela terá sido um recado do eleitor. De que está cansado da política tradicional. Do patrimonialismo oblíquo observado em Washington. Da falta de sensibilidade para as questões sociais. Sobretudo para as que afetam grande parcela da população mais vulnerável.
Atribua-se crédito, por dever de análise, ao talento de Trump como comunicador. Ele expressa uma das maiores vocações de comunicação política na cena americana. Com uma naturalidade nova-iorquina de quem navega o rio Hudson. E uma assertividade caubói de quem é texano sem ser.
Este fato político ocorreu a menos de seis meses. Repercutiu como terremoto entre frestas tectônicas da realidade construída pelos descendentes do Mayflower. Agora, do outro lado do Atlântico, acontece outro tsunami político. Na França.
Qual foi esse tsunami político? Os dois maiores Partidos franceses, o Partido Socialista e o Partido Republicano, não vão ao segundo turno nesta eleição. Eles se revezam no poder desde 1958. São mais de cinquenta anos de exercício ininterrupto no comando da política na terra de Rousseau.
De uma tacada só, o eleitor francês dispensou os serviços da direita e da esquerda tradicionais. De uma vez só, o povo francês disse não à política tradicional dos herdeiros de Jacques Chirac e de François Mitterand. E fez uma escolha não convencional. O eleitorado francês optou pela terceira via.
Evidente que Trump e Macron são dois opostos políticos. Mas ambos (Macron certamente o fará) alcançam o poder assumindo posturas não convencionais. No caso de Trump, com discurso provincial, isolacionista, frontal. No caso de Macron, com argumento feito de sutilezas. E táticas eleitoralmente oportunas. Como a saída do governo Hollande. Macron, no equilíbrio das palavras, é produto perfeito e acabado da cultura republicana herdada de Montesquieu.
O que terá motivado os eleitores franceses a votar por um terceiro caminho? O noticiário atesta evidente temor ao desemprego por parte dos trabalhadores urbanos. Tanto os que ficam nos escritórios. Quanto os que se situam no chão da fábrica. Uns falam em desigualdade. Outros em imigração. Todos pensam nos valores da liberdade, igualdade e fraternidade.
O que se passa na sociedade mundial para que tais eventos ocorram dos dois lados do Atlântico?
Penso que ocorrem por convergência de três fatos: globalização, falta de proteção social e ausência de grandes lideranças políticas.
A globalização constrange nações a soluções regionalizadas, que sejam competitivas e inovadoras. Porque a competição é parte do esforço empresarial por crescente produtividade. E porque a inovação requer destemor para costurar novo futuro. Que se tece caminhando ao lado de outros parceiros. Globalização quer integração.
De outro lado, a falta de proteção social, agudizada no desemprego, gera medo histórico. Penalizando o corpo e perturbando a alma. Medo que atravessou assombrações datadas em Dostoievski. E marcou a pesquisa atemporal de Adorno e Habermas. Alcançando a era pós moderna. Fragmentada e líquida. Mergulhada em tecnologias abissais que nos deixam próximos e distantes ao mesmo tempo.
Por isso, emprego é talismã que universaliza anseios nacionais. É ícone que apascenta rebanhos metropolitanos. Imagem edênica. Que vira miragem contemporânea. Falta de emprego derrota o convencionalismo político. E consagra impensáveis projetos de poder. No secreto da urna.
Por sua vez, a ausência de grandes lideranças cobra altíssimo preço. Porque ela empobrece possibilidades de mudança social. Reduz a taxa de invenção política. E faz a mediocridade inibir a criatividade institucional. Onde encontrar novos Churchill? Onde identificar novos Willy Brandt? Onde requisitar novos Barack Obama?
Vejam a Itália acossada em berlusconis amorais. Vejam a Inglaterra perplexa entre ruralismo medroso e Londres vencida no Brexit. Os Estados Unidos apequenados em provincianismo jeca. A França em busca de improvável estadista.
Fico por aqui. E deixo ao leitor prever suposto cenário tropical.
Instigante