A controvérsia em torno da decisão monocrática do Ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal sobre a utilização de dados do COAF-Conselho de Controle de Atividades Financeiras para investigação do Ministério Público remete a uma questão de fundo da relação delicada entre o direito do cidadão e o interesse público. Na verdade, a delimitação das tênues fronteiras entre o direito privado e a proteção da sociedade está na raiz de grande parte da controvérsia no STF e da insegurança jurídica que se vive atualmente no Brasil. Embora o “surto de garantismo” de alguns juizes do STF, na definição do ministro Luis Roberto Barroso, esconda mais do que um simples rigor jurídico, servindo para proteger poderosos e amigos, o discurso se baseia na defesa extrema dos direitos e garantias do cidadão. O sigilo bancário, defendido por Toffoli, constitui uma proteção do cidadão contra usos indevidos, ou mesmo criminosos, da informação sobre sua movimentação financeira. Entretanto, o mesmo sigilo serve para proteger todo tipo de ilicitudes: tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, corrupção e enriquecimento ilícito. Além disso, a comunicação do COAF ao Ministério Público sobre movimentações financeiras não torna públicas as informações sobre contas correntes privadas, limitando-se o acesso à instituição pública responsável pela proteção da sociedade contra eventuais criminosos. A restrição ao compartilhamento de dados entre COAF e Ministério Público e, mais grave ainda, a suspensão de todos os processos que tenham utilizado dados do Conselho sem autorização jurídica prévia, torna inócua a atuação da inteligência no controle das atividades financeiras, e limita as investigações sobre eventuais crimes contra a sociedade. Não beneficia apenas o senador Flávio Bolsonaro e os criminosos de colarinho branco, mas também os traficantes, os milicianos e outras organizações criminosas. Como afirma a ANPR-Associação Nacional dos Procuradores da República, a decisão do ministro do STF “prejudicará, sobremaneira, a investigação e a punição de delitos graves, como o narcotráfico, organizações criminosas, financiamento do terrorismo e crimes transfronteriços”. Além disso, afasta o Brasil do sistema internacional de combate à lavagem de dinheiro organizado em torno do GAFI/FATF-Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo. Independentemente mesmo do debate jurídico, parece sempre estranho e, mesmo muito suspeito, que um homem público como o senador Bolsonaro, e vários outros políticos, entrem com processo para impedir o acesso dos órgãos de inteligência e do Ministério Público às suas contas correntes. Se não houvesse nenhuma irregularidade a esconder, o mais normal seria a renúncia voluntária de todo político e gestor público ao tal sigilo bancário. Mas, neste caso, teríamos outro Brasil.
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Sigilo bancário não é quebrado pelo COAF, que não tem acesso às contas dos clientes. O COAF surgiu há 21 anos em consequência da adesão do Brasil a tratados internacionais para agir contra organizações terroristas, cartéis de drogas, e em geral no combate à lavagem de dinheiro obtido em atividade antecedente criminosa. Os bancos são obrigados por lei a cumprir um papel de fiscalização prévia de seus clientes. O Banco Central do Brasil explicita, em uma série de comunicados, as hipóteses de movimentação que cada banco deve comunicar ao COAF. Se o COAF desconfia que alguma transação informada pelo banco pode configurar prática criminosa, sonegação fiscal ou evasão de divisas ele é obrigado por lei a fazer um relatório das comunicações bancárias que recebeu e enviar ao Ministério Público e à Receita Federal para que os órgãos investiguem se há algo ilícito. O MP não começou por conta própria as recentes investigações sobre os 21 deputados e seus assessores na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e sim, depois de receber do COAF relatório nos termos das leis vigentes. A decisão monocrática do Presidente do STF suspende investigações sobre crime organizado, financiamento de terrorismo, tráfico de drogas e de armas, e lavagem do dinheiro, e assim contradiz acordos internacionais que o Brasil assinou com outros países para combater tais crimes. E as leis no. 9613 de 1998 e no. 12.683 de 2012 não têm que ser respeitadas? E como vai ficar, se ignorados tratados internacionais, a entrada do Brasil para a OCDE? Só em novembro teremos respostas?