Luiz Alfredo Raposo

Taí, dona Beth, o zap que você me fez iluminou a madrugada. Lembra letra de Paulo César Pinheiro para canção de Clara Nunes, mas foi isso: eu, hora dessa, a lhe falar das novas questões judiciais que envolvem o presidente. Resumo da ópera:

  • A PGR pediu sua inclusão no inquérito sobre uma doação irregular ao PMDB, no valor de 10 milhões de reais, durante a campanha de 2014. Indício de culpa: nenhum, a não ser sua presença num jantar, no Palácio do Jaburu, que reuniu a cúpula partidária e dirigentes da empesa doadora, em que o assunto teria sido tratado. Pedido prontamente acatado por um ministro do STF no final de fevereiro.
  • Alguns dias depois, no começo deste mês, atendendo, não à PGR, mas a um delegado federal ligado à investigação de se o chamado Decreto dos Portos (no048 de 10/5/17) resultou ou não em benefícios irregulares a uma empresa portuária, outro ministro do STF decretou a quebra do sigilo bancário presidencial, a partir de 2013. Indício de culpa: nenhum apontado, até aqui, apesar de a investigação vir de meados do ano passado.

Abro a Constituição e leio: “art.86, § 4o: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. E, leigo, faço um raciocino mínimo, de senso comum: constando a responsabilização das etapas de inquérito, denúncia e sentença, nenhuma delas pode ser cursada, com relação ao evento (1). Realizar a terceira, impossível. Completar qualquer das duas primeiras pode colocar, pelo resto do mandato, uma espada de Dâmocles sobre a autoridade presidencial. E antes de cair, ela já fere no coração… O que não é do interesse da sociedade nem terá sido, de jeito nenhum, a intenção do constituinte. O processo (2) deve, sim, rápido, ir até o fim. Mas que diabo tem a movimentação bancária anterior ao mandato a ver com a história dos portos?!

Dizem especialistas que, nos casos antecedentes, o critério usado coincidiu, exato, com o que expus. A Temer, então, aplica-se um Direito Novo. O primeiro impulso é ficar maravilhado. Mas ao pegar a túnica de Próspero de bairro, lembro que, com esses, são quatro os casos judiciais contra ele. Conduzidos os dois anteriores com ainda mais dessa inusual “desenvoltura”.  O que a mim sugere haver por detrás uma apreciação restritiva do conjunto da obra temeriana, no fundo uma coprodução com o Congresso. Sinto dever, então, verificar: começo inquirindo sobre esse governo e essa parceria. E olhando em volta. E falo o pouco que sei.

No plano administrativo, o mais conspícuo é o que o governo não fez, o de que nunca mais se ouviu falar: escândalos nas grandes estatais. Na Petrobras, sumiram as maracutaias bilionárias. Adeus, Passadenas e Abreu-e-Limas. Para mim, prova de que, no lugar das Graças, dos Gabrielli, dos Duques e dos Cerverós, entrou outra casta de gente. A nova diretoria o que fez, sim, foi reverter a ruinosa política de congelamento de preços e rever (com apoio de uma nova legislação) o programa de investimentos no pré-sal. Binário fatídico que transformara lucro e folga de caixa em prejuízo e aperto, e fizera disparar a dívida. Resultado: finda a gestão anterior, toda ela com o petróleo nas alturas, oscilando entre 50 e 100 dólares o barril, a Petrobras vivia uma situação insólita. Era a empresa não-financeira mais endividada do planeta e uma petroleira quebra-não-quebra, com suas ações a 44,2% do preço do primeiro dia de mandato (R$ 10,25 contra R$ 23,21). Aliás, o quadro seria praticamente o mesmo, ainda que jamais, em algum canteiro lá, houvesse crescido um único e escasso pé da plantinha-corrupção. O pessoal reclama, mas o mal-estar com os aumentos de hoje se deve muito às barbeiragens de antes (os não-aumentos, os investimentos desastrados que marcaram o governo Dilma). Felizmente, a empresa  deteve sua corrida ladeira abaixo: o prejuízo anual caiu da casa das dezenas de bilhões de reais (14,8 bilhões, em 2016) para 446 milhões, em 2017. Não surpreenderá, caso já esteja rodando no azul. É aguardar o balanço do I trimestre. O valor da ação (dado precioso para os milhares de acionistas privados), esse está quase recuperado: na primeira semana de março/2018, ela fechou cotada a R$ 22,39.

Um meio auxiliar de reduzir dívida e despesa financeira foi a venda de ativos. Como parte dela, fez-se a abertura do capital da Petrobrás Distribuidora (a dona da gigante rede de postos BR) e sua “listagem” no segmento B3 da Bovespa. E venderam-se, em dezembro último, 30% das ações (até então, só da Petrobras), fato que gerou notinhas de jornal que pouca gente leu, mas é histórico. A venda foi um sucesso, e a prévia “listagem” implicava um reforço da vigilância externa sobre a empresa. Em adição, aliás, aos dispositivos da nova Lei de Responsabilidade das Estatais, adiante comentada.  Isso, na prática, significava, mais que uma solução para os problemas financeiros da empresa-mãe, o “resgate” definitivo de uma estatal de grande porte: inviabilizava ocorrências, como a que, no passado janeiro, foi objeto de atenção da mídia (falcatrua grossa na construção do Terminal de Rondonópolis-MT, na gestão Cerveró, que teria dado prejuízo de 600 milhões de reais).

No BNDES, assistiu-se ao fim dos vultosos empréstimos indiretos a países sem crédito, marginais no mercado financeiro internacional (Cuba, Venezuela, Honduras, Moçambique etc.). Outro ponto foi a progressiva devolução ao Tesouro de recursos que lastrearam o cinematográfico boom de financiamentos a partir de 2009 (a juros muito abaixo dos níveis de mercado). Ao todo, no final do presente ano, deverão ter sido devolvidos cerca de 200 bilhões de reais, perto de metade dos quase 500 bilhões que o Banco recebeu dessa fonte, no período. São alguns flashes da ação do governo Temer, na faxina moral e empresarial das estatais.

No plano legislativo, o Congresso aprovou, com respaldo presidencial, uma série de medidas. Cito algumas: 1) a lei de Responsabilidade das Estatais (lei 13.303 de 30/6/2016, proposta pelo sen. Aécio Neves), que provê um padrão de governança severo, uma vacina contra ações antiempresariais. Entre outros, a Lei exige experiência específica mínima dos dirigentes, veda cargos de direção a pessoas com histórico partidário recente, limita os gastos de publicidade a percentuais muito modestos do faturamento e prefixa um espaço para os minoritários. As estatais da União, Estados e municípios tiveram prazo até o próximo 30 de junho para adaptarem a ela seus estatutos. 2) A nova Lei do Pré-sal (lei 13.365 de 30/11/16, de autoria do sen. José Serra), que desobrigou a Petrobrás de presença nos novos investimentos, dispusesse ela ou não de recursos. Destravava-se, assim, depois de quatro anos, o avanço da exploração, e seis novos blocos, nas áreas de Campos e de Santos, foram licitados em outubro/17 (outra rodada está marcada para junho próximo). Os contratos com os consórcios vencedores foram assinados no final deste janeiro. É a roda que volta a girar… 3) A lei (13.483 de 21/9/17, ideia da então presidente do BNDES, Maria Sílvia Marques, válida a começar deste ano) que instituiu a TLP, uma nova taxa básica para os financiamentos do BNDES. Baseada na taxa que o Tesouro efetivamente paga sobre seus títulos mais longos (as NTN-B), ela eliminará, dentro de cinco anos, quando terá pleno vigor, os subsídios implícitos gerados pela taxa anterior, a TJLP, baseada na meta de inflação oficial. Segundo cálculos do Ministério da Fazenda, no decênio 2007-2016, em que a inflação rodou acima da meta, de seu centro, o custo acumulado desses subsídios subiu a 240 bilhões de reais. 4) A reforma da legislação trabalhista (lei 13.467 de 13/07/17, de iniciativa do governo Temer, em vigor desde novembro/2017), que altera a CLT em pontos importantes. Mantidos os direitos constitucionais (seguro-desemprego, salário mínimo, 13o salário, jornada semanal máxima de 44 horas, repouso semanal remunerado, férias de 30 dias corridos, com abono de 1/3 do salário, adicional de trabalho noturno, perigoso ou insalubre etc.), a reforma deixa os demais pontos ao acordo entre patrões e empregados, cria novos regimes de trabalho, extingue o “imposto sindical”, flexibiliza jornadas e gozo de férias etc. É uma alteração de há muito reclamada, como possível fator de incentivo ao emprego. Agora, está aí, como um direito que o país ganhou a uma experiência. Os resultados darão a medida do seu mérito. 5) A PEC do teto ((Emenda Constitucional 94 de 15/12/16, de iniciativa do governo Temer, em vigor desde 2017), de que falo logo a seguir. Essa legislação, vista em conjunto, mostra um trabalho impressionante não só pela quantidade mas, sobretudo, pela qualidade: ela forma um bloco coerente e que tem um indiscutível sentido de saneamento moral e econômico para o país.

Last but not least, no plano monetário-fiscal, o novo governo restabeleceu a autonomia operacional efetiva do Banco Central. No período Dilma, uma diretoria genuflexa ante o Executivo tinha aceitado fazer sua parte na barbeiragem geral da Nova Matriz Econômica inventada pelos sábios da hora. E o Bacen baixou juros básicos quando não podia, no que foi acompanhado pelos bancos comerciais oficiais. E deu uma bela contribuição ao descontrole(!) da inflação, que, nos estertores do governo destituído, voltou ao patamar dos dois dígitos e obrigou a uma puxada violenta da taxa Selic. Restabelecida a autonomia, a política monetária passou a ser conduzida de modo prudente (magistral– por que não dizer?, o elogio é merecido). E sem perder sintonia com a política fiscal, cujo desafio era (e é), manter na jaula o gasto primário (não financeiro), cada dia mais intratável.

E aqui, ao contrário de antes, em que as crises se resolviam no bolso do contribuinte, com aumentos de impostos, o governo reconheceu que a fiscalidade batera num limite praticamente intransponível. E que a solução, agora, teria de vir da despesa. E formulou a PEC do teto (convertida na EC 94, em 16/12/16, para vigorar a partir de 2017). A EC 94 propõe congelar por 20 anos, com uma revisão no 10o, a despesa primária da União, nos níveis reais de 2016. Remédio heroico, julgou-se prudente insertá-lo na Constituição, como forma de proteção contra futuras tentações laxistas. E com o auxílio da nova norma, o governo conseguiu tourear o déficit, reduzindo-o de 149 bilhões de reais, em 2016, para 124 bilhões em 2017.  Mas, no médio prazo, a PEC tinha como corolário férreo uma imediata mudança nas regras previdenciárias, a fim de reduzir o alucinante ritmo de crescimento da despesa com inativos. Despesa não-discricionária, não controlável por via administrativa. O governo botou nova PEC no Congresso e, justiça se faça, fez tudo o que podia. Em particular, o presidente se empenhou com um ardor de rapaz. No final, não deu, esse round quem venceu foi o egoísmo míope dos maganos, associado à demagogia ululante. E isso decreta para alguns poucos anos mais (calculo que uns cinco) a explosão do teto, que se tornará incompatível com a oferta de um mínimo de serviços públicos. E assistiremos à volta devastadora do dragão inflacionário, que só não enche de pavor a quem nunca o viu em ação. Antes disso, é uma fatalidade aritmética: nos próximos dois anos, a clássica “regra de ouro” (que proíbe custear despesas correntes com dívida, art.167 da Constituição) precisará ser suspensa pelo Congresso.

Não obstante esse revés, o conjugado das medidas produziu rapidamente (embora só temporariamente) um Brasil melhor, mais respirável: depois de 2,5 anos de recuo (que, no acumulado, chegou perto de 8%, ou quase um mês em doze), o PIB voltou a crescer (1% no ano passado e esperados 3% neste e no próximo anos); a inflação caiu dos 10% iniciais para os atuais menos de 3% a.a.; o juro básico (a taxa Selic) despencou de 14,25% a.a. para os 6,5% de hoje. Tivesse a reforma da Previdência sido aprovada, é certo que viria abaixo de 6,5% ainda esse ano. Para dar uma ideia do impacto fiscal (há outros, sobre a economia): cada ponto percentual a menos acarreta, no final, 33 bilhões de reais de economia anual na conta de juros da dívida pública, que monta a 3,3 trilhões de reais! O emprego, enfim, reage. No ano passado, terminou em empate. E o que não é comum, este ano já começou empregatício.

E com tais resultados, o governo realiza, no grau possível, a forma mais alta de moralidade pública: a melhoria da vida do povo. O bem de todos e a felicidade geral, para usar a fórmula joanina. Diante deles, alguns moralistas perguntarão:

–Como esse governo e esse Congresso tão avacalhados que aí estão deram jeito de produzir em menos de dois anos tanto e tão bem?!

É o mesmo que cobrar com urgência uma antiteodiceia, que explique como nasce o Bem do Mal… Os de índole prática cortarão, sentenciosos: antes maus que façam o Bem do que bons que façam o Mal. Mas o grupo dominante, dono dos corações e mentes das camadas médias, estupendamente profundo, baterá o pé. Ouvi-los lembra aquele verso de Valéry de que o universo não passa de um defeito que deu na máquina do Nada (…que l’univers n’est qu’un défaut dans la pureté du Non-être):

–Os fatos indicados são apenas um defeito! Jaça no diamante da corrupção e da inoperância inerentes a essa gente política: presidente, governo e Congresso.

Ou seja, para eles, corrupção e inoperância, aí, são verdades reveladas. Antecedem os fatos e depois zombam dos fatos. Os líderes dessa caudalosa corrente pertencem à jovem-guarda dos magistrados, procuradores e delegados de polícia federais. A tese que esposam conquistou meio-mundo e redunda numa espécie de tenentismo judicial. Como nos tenentes fardados de cem anos atrás, o sentimento dos tenentes togados de hoje é de que, exceto eles, tudo o mais está podre em nossa república verde-amarela (e não só os abatedouros e frigoríficos…). O que gera um ethos traduzível nuns poucos mandamentos: pau nos corruptos (isto é, na classe política) e insubordinação, absoluta falta de respeito aos poderes constituídos (ou seja, o que quer que lhes estiver acima, presidente, Congresso, tribunais superiores). E, acima de tudo, todas as liberdades com as decrépitas leis vigentes.

Explicam-se, assim, nas redes sociais, os desaforos. O presidente acusado, com todas as letras, a propósito do último indulto natalino, de ter procurado criar para si um precedente. E a instituição-Congresso (logo o atual, depois de tanto serviço), equiparada a um covil de malfeitores, por ocasião da recente intervenção no Rio de Janeiro. E no foro, o Direito Novo tenentista. A culpabilidade-artigo-de-fé, prévia às provas ou fora dos autos, transforma a instrução do processo em mera ilustração de uma certeza. Se, no final, não aparecer prova, para tão zelosos julgadores isso só provará o crime perfeito, sem digitais da evidente autoria. Ou mais-que-perfeito, crime que não foi sequer notado. Além de seus méritos próprios, tem essa nova juridicidade a vantagem de se afinar mais fácil com a visão de mundo, o Zeitgeist das classes médias antipolíticas. Daí seu fascínio de bazar: da prova, p.ex., ela faz atenuante; e apresenta um tipo insólito de crime, o crime de inocência, imputável a qualquer honrado cidadão. Não há nada contra, logo…

Ah, assistir à saga desses valentes me lembra Getúlio e dá vontade de vê-los capitães e depois coronéis… Gente menos épica e mais adulta pensa diferente, quem sabe emendando rifões, como Sancho. Por exemplo, que, nos negócios públicos, é pelos resultados que se julga. Que com fatos não se briga. Que remédio em overdose vira veneno. Que paixão: no amor, sim, em política, nunca. Que tão importante quanto Ética é etiqueta. Que não se faça de ninguém tão inimigo que não possa, um dia, ser amigo. Que mais vale prevenir do que remediar. Que mais longe se vai devagar, passo a passo, do que com tropelias e devastações. Que copo meio vazio é copo meio cheio. Que antes um pássaro na mão do que dois voando. Que é dando que se recebe: melhor trocar do que arrebatar etc. Reunidos e classificados, esses aforismos compõem um ameno manual prático, não escrito de Política.  Impresso, bem se poderia intitular O Príncipe Cristão. Aliás, o último aforismo é parte da oração de Francisco. O santo. De resto, cabe no manual uma seção filosófica. A joia da coleção, aí, seria uma brechazinha para a ideia iluminista do Mal: admitir que por vezes ele é apenas um defeito do olhar. Algo como o Bem mal compreendido, para mimetizar o estilo delicioso do Pope do Essay on Man… Outras peças: p. ex., que, no âmbito do humano, uma pitada de imperfeição é ingrediente da perfeição. Vênus Anadiômena, irretocável e um nadinha estrábica… Que um pouco de malaise, um pouco só, diz que bate sadio o coração da república…

O manual é método. Nele rezam os políticos civilizados, da escória à fina flor. Esta última, o que a distingue é a ciência do norte, do caminho. E a disposição de apontá-lo, a despeito do vozerio. E de por lá conduzir, ao lhe darem ouvidos. De resto, os avessos ao imaginário livrinho não são nem nata nem borra: simplesmente formam na antipolítica.  A eles restam outros meios. O terço e a fogueira. O berro e o chicote. A propósito, ouvi de um antigo trapezista que, no circo de antanho, a garantia de trabalho e repouso era um domador vocacionado. E explicava que ao domador competia, à moda agostiniana, antes de tudo, a amorosa compreensão de suas feras. Conhecer-lhes manhas e apetites, altos-e-baixos de humor era a fórmula certa de evitar ciladas e obter docilidade e bem-querença. Curioso que, num terreno tão remoto, na condução política, se requeiram atributos parecidos. Deles é que brotam a perfeita civilidade, a propensão ao acordo, a infinita paciência. Defeitos aos olhos de quem crê nos outros métodos de tratar esse negócio de tantos sócios, como são os públicos. Qualidades para os que estão seguros de que fora da política não há salvação. E é fato que as sociedades chegaram ao político, depois de passar pelos outros métodos…

Eu, pessoalmente, creio na política e em seu breviário. E por isso, feito o rol de entregas (tanto serviço em tão pouco tempo), não posso negar nota alta (e apoio) a um governo como o do presidente Temer. Sobretudo porque foi fazendo política, em entendimento com o Congresso, que ele logrou tais resultados (e numa cena tempestuosa, cena de marinha de Turner). Abissal sua superioridade frente ao governo que sucedeu. Tivesse sido outro o substituto… Pena não o termos ajudado a fazer um sucessor. Daí porque recuo do impulso inicial. O quadro, longe de maravilhar, me assombra. As “licenças” tomadas por altos magistrados em relação ao presidente não se justificam pelos fatos: meu inventário, pelo menos, aponta para um governo moralizador e eficiente. Muito menos casam com a missão constitucional deles, de guardiões da Lei escrita e do devido processo. E aí, se há lógica nas decisões comentadas, não me sobra outra explicação: juízes de hierarquia superior, contagiados pelo ar da sazão, viraram tenentes, aprenderam com eles o Direito Novo. Pouco antes, eles já haviam vetado ministros, indultos natalinos e cortes orçamentários. Para quê? Ao que parece, para armar um “cerco” (como manchetou a mídia) à figura do presidente, pegar em sua mão e terminar seu mandato. Não bastassem as trovoadas de maio… Mas, de quem receberam mandato? Já pensaram o país que nos aprontam, enfraquecendo o Executivo, criando com suas venetas a bagunça institucional?

Sim, Beth, parece que (com o aplauso festivo dos bem-nutridos!) os doutores da lei andam de veneta, botando a lei a serviço delas. E começam bem de cima… E eu recebo isso como ameaça pessoal. Confesso que, dias atrás, até me deu medozinho (lembrei-me de outros tempos…), tomar um suco num café concorrido. Podia estar disputando mesa com aquele pressuroso grupinho de jovens louçãos e engravatados, que talvez mexessem com pesos e balanças… Mais relevante, porém, que esse medo, rói-me um medo médico: eu e o Brasil-classe-média estamos no mesmo canal, ligados no mesmo folhetim, mas vendo tudo invertido. Um, o enredo e outro, seu “negativo”. Faltará ou fugiu-me aquela dosezinha mínima de juízo? Grupo social, país também fica aluado! Ou é outro o problema? Por precaução, agendei consulta com meu oculista. Saúde!

Natal, março/2018