O sigilo faz parte da Democracia – que é informar e, também, é não informar. Numerosas profissões têm esses limites claros. Ninguém admitiria, por exemplo, que médicos divulgassem relação de seus pacientes com AIDs. Nem que padres começassem as missas dominicais fazendo um relato das confissões da semana. Dona Maria trai o marido com seu jardineiro. E tudo a partir do interesse coletivo.
Sigilos também mudam, em função de suas circunstâncias. Em 1934, ordenação alemã dispunha: “Todo cidadão que, consciente ou inconscientemente, animado por baixo egoísmo ou qualquer outro sentimento, tenha fundos no estrangeiro, será punido com a morte”. Além da perda de todos os seus bens em favor do Estado. Com base nessa ordenação, Hitler pôs em ação sua temida Polícia Geral do Estado (Geheime Staadt Polizei – Gestapo), fazendo depósitos na Suíça em nome de judeus alemães. E pedindo os respectivos extratos. Começaram, já neste ano, as primeiras execuções de empresários e suas famílias. Daí resultando na Suíça, em 1936, a primeira legislação sobre sigilo bancário do planeta. Como instrumento democrático de proteção às pessoas. Passando em seguida, este sigilo, a ser indiscriminadamente usado por inocentes e pecadores. Inclusive traficantes, sonegadores, políticos (alguns bem próximos de nós). Até que afinal a AFC anunciou, em 5/10/2018, que a Suíça está pondo fim a ele. O sigilo bancário mudou porque era preciso mudar.
O sigilo da fonte, entre nós, é garantido pela Constituição (artigo 5º, XIV). No último caso relevante decidido pelo Supremo (Agravo Regimental na Reclamação 21.504, São Paulo), de 17/11/2015, o relator, ministro Celso de Melo, limitou-se, em seu voto, a dizer o óbvio; que jornalista “não podia sofrer qualquer sanção, quando se recusar a quebrar esse sigilo (da fonte)”. Faltou ir, não se sabe por que, ao centro do problema. Sem uma palavra sobre a obrigação de responder, o próprio jornalista, pelas informações que recebeu de sua fonte. Um tema tranquilo, na doutrina. Cito apenas Steinmetz (Comentários à Constituição): “Quando o profissional ou a empresa invocam o sigilo da fonte, assumem a plena responsabilidade pelo teor da informação veiculada, inclusive respondendo cível e criminalmente por eventuais danos causados a direitos de terceiros (e.g., honra, intimidade, vida privada e imagem)”.
Como visto, e diferentemente do que tem sido entendido por alguns jornais brasileiros, o sigilo protege apenas a fonte. E, não, o jornalista. Que deve sempre responder pelo que sua fonte disser. Simples assim. Fora disso, teríamos uma nova categoria na praça. A dos semideuses. Quero destruir a reputação de quem não goste? É simples. Digo que ele é traficante, estuprador de menores, corrupto, por ái vai. Após o que se seguiria, no texto, o tal “segundo uma fonte”. Ao dizer essa expressão mágica, “segundo uma fonte”, pretendem os jornalistas que não são obrigados a provar nada. Sua fonte é que deve. Só que, como o jornalista tem direito de não dizer quem ela é, no mundo real ninguém seria punido. Nunca. Nem a fonte (acaso existir). Nem o jornalista. O crime perfeito.
Não é assim, no resto do mundo. Apenas um exemplo. Judith Miller (Prêmio Pulitzer em 2002) publicou, no N.Y. Times, que Valerie Plame (mulher do ex-embaixador Joseph Wilson) era agente secreta da CIA. Pondo em risco a vida de Valerie. A jornalista não revelou sua fonte. E acabou presa, no Distrito de Columbia (Washington). Mattew Cooper, da revista TIME, fez o mesmo. Só que se livrou da prisão por dizer quem era. Segundo ele, autorizado pela própria fonte – o conselheiro político de Bush (filho), Karl Rove.
Por tudo, então, talvez seja tempo de começar a discutir o tema com menos corporativismo. E mais seriedade. Pensando no interesse coletivo. A partir do dever básico dos meios de comunicação – assim resumido, numa entrevista para televisão, pelo judeu húngaro József Pulitzer: “Exatidão! Exatidão!! Exatidão!!!”.
José Paulo Cavalcanti Filho
Claro, objetivo, coerente e inteligente, como sempre. Sem mimimis, vai ao cerne da questão.
Parabéns e obrigado pela lição de Democracia e de Direito.
Excelente Jose Paulo. Vou divulgar, com sua e da Será?, licença, aos meus leitores, amigos e alunos.
Obrigado.
Concordo. E mais, repito a pergunta que José Paulo Cavalcanti fez hoje no CBN Brasil entrevistado. Como eu me lembro é mais ou menos assim a pergunta: “um crime é cometido, o jornalista divulga informação resultante do crime, e tudo fica assim? Ninguém é processado? Ninguém é punido? Como se ninguém tivesse cometido crime algum?” Concordei integralmente com o que ele disse na CBN. E só então fui ler este artigo. Vou divulgar a tranquila sensatez de jpc. De fato, é preciso haver legislação ou algum código de honra que ponha ordem na anarquia que hoje prevalece quanto a um suposto “direito de informar”.
Texto Lucido , focado e oportuno !
Parabens JPC e a revista sera !
Oi amigos,
Eu gostaria de dar minha opiniao sobre a questao do Sigilo da Fonte.
Dialogos divulgados por alguns jornalistas e pela Folha de Sao Paulo indicam que durante o julgamento que condenou Lula, o juiz orientou a acusacao e desta maneira não agiu de maneira imparcial como exigido pela lei. Isso é extremamente grave. Se, depois das verificacoes possíveis, estes jornalistas nao divulgassem estas informacoes, eles não estariam cumprindo com os seus deveres de informar o publico.
Para ilustrar a importancia da imparcialidade de um juiz, eu gostaria de citar um caso que aconteceu no condado de Broward, na Florida em 2007 (State v. Loureiro, No. 04-15633CF10A(Fla. 17Th Circ. Ct). Neste julgamento, o reu Omar Loureiro foi condenado aa morte. Depois do julgamento, se descobriu que a juiza, Ana Gardiner, e o promotor, Howard Michael Scheinberg, haviam durante o julgamento trocado inumeros telefonemas e mensagens de texto sem o conhecimento da defesa nem dos jurados. Isso indicava que a juiza nao tinha sido imparcial. O julgamento foi anulado e o reu teve direito a um novo julgamento. Depois de um longo processo e por decisao da Suprema Corte do Estado da Florida, em 2014 Ana Gardiner perdeu definitivamente a licenca para o exercicio de atividades juridicas. Quanto ao promotor, ele teve sua licenca suspensa por um periodo de 2 anos.
No que diz respeito ao sigilo da fonte, me parece mais razoavel comparar as divulgacoes feitas pela Folha de Sao Paulo com o caso Watergate. Como no caso da Folha de Sao Paulo, os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein receberam informacoes mostrando graves ilegalidades cometidas por pessoas ligadas ao poder e, depois das verificacoes possíveis, as publicaram. Pressionados para dizer a fonte, eles se recusaram e nunca foram presos. O caso Watergate colocou varias pessoas na cadeia mas foram as pessoas que haviam cometido ilegalidades. Muito mais tarde, 30 anos depois, Mark Felt, na época FBI deputy director, disse que ele era o chamado Garganta Profunda.
O caso da noticia que Judith Miller publicou no N.Y. Times informando que Valerie Plame era agente secreta da CIA é muito diferente. Nao se tratava de uma informacao de interesse publico. A informacao que ela publicou, por um lado não denunciava nenhuma ilegalidade e, por outro punha em risco inutilmente a vida de uma pessoa.
Obrigado pela atencao
Joao Baltar
Montreal, Canada