1. Pelé está bem doente. Como sabemos, ele é eterno na dimensão do futebol. Daqui a 100 anos, gerações ainda conversarão sobre o Rei, muito embora a escassa documentação de seus feitos – comparada ao acervo de outros craques que eclodiram no começo do milênio -, o deixará em alguma desvantagem. Na esfera implacável da vida, porém, sabemos que Pelé é mortal. E a morte vem flertando com Sua Majestade já há algum tempo. Assim, da mesma forma que mais cedo ou mais tarde ela nos sequestrará desse mundo de poucas glórias e muitos fracassos, Pelé também tem passagem comprada para embarcar no comboio insólito que o conduzirá à vala da última parada. Quando morrer, o mundo não falará de outra coisa por dois dias. Nas redes sociais, muita gente dirá que o Brasil não merecia tamanha desdita. Se Sarney já não tiver morrido então, será uma verdeira calamidade. “Como pode?” Nesse dia fatídico, jornalistas com os ares da nostalgia empostada, vão abrir as comportas do coração. Uns chatos e renitentes, desses que gostam do bordão “meninos, eu vi”, dirão que certa tarde de domingo no campo acanhado da rua Javari, até os torcedores da Juventus se emocionaram com a jogada do negrinho endiabrado da Baixada que, segundo os dizeres caros à categoria, “só não fez chover”. Outros tantos, com voz embargada, insistirão em que passa da hora de esquecer as bobagens que Pelé disse. “Pensando bem, não havia porque crucificá-lo quando ele afirmou que o brasileiro não estava preparado para votar. Quase 40 anos depois, a gente agora sabe que não estava mesmo. É tempo de deixar o Edson Arantes do Nascimento em paz e de louvar o Pelé”.
2. Mas lá mesmo nas redes sociais lacrimosas, ouviremos amplificadas as vozes inconfundíveis dos haters que, já em abril de 2019, enquanto Pelé luta contra uma infecção num hospital de São Paulo, logo depois de uma internação parisiense, trombeteiam que todo o sofrimento que os cálculos renais lhe infringirem são merecidos. Que o “atleta do século” faz jus sim a todas as penas cabíveis, e que é justo que venha sentindo dia após dia o hálito gelado da morte que se acerca. Todo esse ressentimento decorre do fato de que lá atrás, Pelé não quis se relacionar com uma das filhas que teve, mesmo depois do reconhecimento legal da paternidade. Ora, por infeliz coincidência, a boa moça veio a falecer prematuramente, sôfrega pelo afago paterno que, como sabemos, nunca chegou. Cada um acha uma forma de dizer o que pensa a respeito. “Sofra e tenha muitas dores. Vá se lembrar da filha desprezada. Terá muito tempo para isso”, escreve Dito Manga Bocaina. “Jogador mediano do tempo que não havia treinamento especifico. Nem chega aos pés de Ronaldinho Gaúcho, Messi ou Cristiano Ronaldo”, diz Elio Santos. “Ele não respeitou sua própria filha. Para tudo tem o seu momento”, diz Odilon Campinas, cheio de bile. “Esse senhor é apenas um velho jogador de futebol que está se despedindo do mundo pela porta dos fundos”, diz um sujeito autodenominado The Big One. Por trás da amargura, a solidariedade de todos à filha indesejada, à moça que foi ignorada, apesar de ter dito reiteradas vezes que não pretendia entrar no testamento do pai, ou reivindicar parte da herança. Para todos os efeitos, foi por avareza que o Rei ignorou-a.
3. Não ignoro, até por estar falando nisso, que o Brasil é o estuário mór dos chamados filhos de mães solteiras. Quem é de minha geração, portanto uma depois da geração de Pelé, muito provavelmente viveu situações em que namoros fortuitos e relações efêmeras deram ensejo a alarmes de gravidez que quase sempre caíam como uma bomba. Conheço alguns homens que se casaram por conta disso. Muitos só mantiveram o relacionamento até o filho nascer como forma de reparar um possível dano à honra da mãe. Outros estão casados com essas mesmas mulheres até hoje e têm filhos de 30 anos, 40 anos ou mais. Conheço outros que deixaram o tempo passar e a gravidez não se confirmou, posto que era tão somente um balão de ensaio da moça para por à prova a solidez do vínculo. Conheço aqueles que contribuíram financeiramente para que a mulher fizesse um aborto decente e seguro. Sei de outros tantos que passaram a ignorar telefonemas, e lembro até de um indivíduo bem específico, meu amigo até uns anos, que ameaçou denunciar a namorada à polícia se ela abortasse, por considerar isso um crime imperdoável. Conheço mães que insistiram em ter filhos à revelia do pai, e pais que ficaram felizes, indiferentes ou revoltados com o nascimento da criança. Conheço pais, por fim, que queriam que a mãe desse à luz ao embrião recém detectado, mas a mãe se recusou, sob a alegação de que já cumprira sua “cota”. De mais, há mil matizes que cruzam algumas das situações acima, inclusive com sérios agravantes.
4. Assim sendo, busco atenuantes para apor diante dos que, insanamente, apedrejam Pelé por ter ignorado os pedidos de reconhecimento e amizade da filha, esta de nome Sandra Regina. Ora, sendo o Brasil um dos países mais populosos do mundo, e talvez o mais promiscuo – muito mais do que a China, a Índia, a Indonésia e, provavelmente, até mesmo do que os Estados Unidos -, é de se esperar que pululem por aqui os casos que aparecem a três por quatro na TV, em que filhos e filhas lacrimosas vão evocar o estado de abandono, de desmazelo e de indiferença a que foram relegados. Numa audiência formada por milhões de carentes televisivos como a nossa – repito, milhões -, é normal que as pessoas se identifiquem com a parte queixosa. Para os que se vêem retratados nos novelões que Faustão, Gugu, Huck, Silvio Santos e Datena trazem à baila, pouco importa que o pai de fato tenha sido a pessoa que criou-os. Pai para eles é que quem teve a relação sexual fatal com sua mãe, pouco importa se fortuita ou perene. Em tempos idos, é bom que se diga, a paternidade foi objeto de alegações vazias e muito homem deve ter subido o patíbulo com dúvidas, por conta de uma acusação de comprovação inverossímil. Afinal, era a palavra de uma contra a de outro. Com o advento dos exames de DNA, o panorama ficou menos turvo, muito embora isso continue a ser uma indústria em certas plagas. Não corresponder à expectativa de um(a) filho(a) é falta grave até para os criminosos, na estranha hierarquização dos gravames da penitenciária, que lhes permite chacinar a população de um asilo de velhos, mas nunca, talvez jamais, questionar a paternidade, quase sempre negada à maioria dos delinquentes, gerando as disfunções por todos conhecidas. Do equívoco das mães, é curioso, ninguém fala.
5. O que quero dizer é que acho absurdo que Pelé seja julgado a partir da renitência em ignorar Sandra Regina. Se uma gravidez imposta a um pai qualquer já suscitava naqueles anos as cautelas que conhecemos, o que não dizer quando se tratava de um homem de fama planetária, que poderia ser facilmente confundido com um bilhete de loteria premiado? Se houve, portanto, relutância em admitir que a menina era sua filha, e se mais adiante a ciência revelou-o como fato irrefutável, como querer impingir a existência de um laço afetivo que, na verdade, nunca se construiu? Aliás, abramos os parênteses devidos. O universo do entretenimento é fértil em paternidades precoces e contraditórias. Neymar tem um filho que, por muito pouco, não tem a mesma idade que ele. O funkeiro Mr. Catra morreu aos 50 anos com 32 filhos reconhecidos. O popular Zeca Pagodinho, extrapolando o corolário afetivo do subúrbio de Xerém para o inusitado, se jactou certa feita de que sua mulher teria amamentado os filhotes de uma cadela que, a seu turno, estava extenuada depois do parto da imensa ninhada. Dito de outra forma, o Brasil “que o povo aclama” é muito sensível ao tema. E digo: sabe-se lá o retrato que a mãe fez do pai? Sabe-se lá do desgaste emocional do pai diante de um pugilato que ele teve precocemente que dar por perdido, mesmo porque não há calúnia materna que o amor paterno neutralize? Sabe-se lá o quanto a mãe instrumentalizou o(a) filho(a) para aplacar outras dores?
6. Em igual medida, não quero que Pelé seja julgado apenas pela vertente que me toca de cheio, que se resume ao encontro mais longo que tivemos. Rebobinemos o filme para dar vez à pauta mundana. Pelé já tinha deixado a vida de atleta. Estava eu com dois amigos da Catalunha no restaurante Leopoldo, no Itaim Bibi, em São Paulo. Eram eles Enrique Maier e seu sócio, um homem corpulento e ansioso chamado Xavier Ribò que, naquela noite, destilava mil ressentimentos. Isso porque descobrira que a filha, de 22 anos, estava saindo com um sujeito que tinha sido seu colega de turma na faculdade, ele também com 46. Nada parecia aplacar aquele desassossego. Até que, de repente, ambos os convidados ficaram transfixados por alguma coisa, ou por alguém que cruzara o umbral da porta. Por instinto, já imaginei para onde correríamos se fosse um assalto. Mas felizmente, não era disso que se tratava. Era simplesmente Pelé que entrava ali, distribuindo simpatia. Serviram-nos de mais uísque e, ato contínuo, tudo mudou. Então era ele? Sim. Eu tinha certeza? Claro. E, agora, o que fazer? Calma, eu disse, temos tempo. Deixei a poeira assentar. Eles já tinham perdido a fome e se desesperavam por não ter trazido uma máquina fotográfica. Que estúpidos tinham sido. Será que a casa não dispunha de um fotógrafo plantonista para registrar o momento? E que pena não terem uma bola para o Rei autografar. A ansiedade tomou conta da mesa e vi que nada de bom poderia resultar da abulia. Era hora de agir.
7. Fui então ao balcão onde Pelé conversava com um amigo. Pedi licença e dei o recado: “Bicho, me ajude. Estou com dois catalães aqui, desses que vão ao Camp Nou toda semana. Os caras sabem até a escalação do Cosmos onde você jogou. Avalie a do Santos. Dê uma passadinha na mesa, diga um oi, gaste lá 30 segundos e ficarei agradecido e aliviado”. Então indiquei onde estávamos. Ele pediu licença ao amigo e me puxou pelo cotovelo, a voz inconfundível: “É melhor irmos agora, depois vai ficar complicado, vai chegar muita gente”. Os catalães levantaram-se de olhos brilhantes com a coreografia bem executada e passaram talvez os dez minutos mais felizes de suas vidas. Nunca mais pararam de me agradecer. Pelos anos seguintes, se a hospitalidade em Barcelona sempre fora de primeira, o fator Pelé tornou-a melhor. Enquanto papeavam à mesa, um filme passava pela minha cabeça. A primeira vez que eu o vira jogar no Recife, numa partida entre Náutico e Santos, uma das poucas a que papai me levara. A vez em que eu estava em Acco, Israel, em 1976, e vi meninos jogando futebol a metros da pequena mesquita debruçada sobre o Mediterrâneo. Então, ao pedir a bola para fazer umas embaixadinhas, como forma de dar prova do máximo de virtuosismo a que podia me permitir, os meninos de fala árabe brincavam: “Belé, Belé”. Ah, e o depoimento clássico de Galvão Bueno: “Senna gostava de privacidade nos restaurantes. Já Pelé fica angustiado se passar mais de um minuto sem dar um autógrafo”.
8. A morte de Pelé assinalará um dia triste. Oxalá demore ainda alguns anos para acontecer e que estes mesmos anos tragam algum alento a um homem que conheceu todas as glórias e cuja alegria de viver parece ter se esvanecido em alguma medida. É sintomático que esse Brasil lacrimoso e solidário às dores de Sandra Regina quase nunca faça alusão a um caso igualmente malfadado da equação familiar do Rei. Refiro-me a seu filho Edinho, ex-goleiro, precocemente tragado pelas teias do crime organizado na Baixada Santista. Se a personade Pelé infringiu algum mal a alguém – este sim, a ele ligado por nome, gênero, ofício e convívio -, Edinho seria o alvo preferencial a apontar, mesmo porque foi criado como filho inconteste. Ocorre que Edinho não se insere na categoria daqueles por quem se vertem lágrimas nos programas domingueiros. O Brasil bastardo, aliás, vê em figuras como ele uma espécie de referência torta de sucesso, e confere-lhe uma aura distinta da que vitimou sua meia-irmã. Pelé é avaliado por este Brasil pelo que não foi, bem mais pelo que foi. Acho portanto que teremos dado um grande passo no dia em que as injúrias se endereçarem menos aos pais, mas também às mães que tiveram filhos à revelia da vontade paterna, por quaisquer que fossem as razões – as de instinto ou aquelas simplesmente ligadas ao desejo de ter na criança um liame que lhes valesse um lugar no coração paterno. Mas, enfim, quem disse que reis dão bons pais? Pelé não terá sido a exceção à regra. Tant pis.Viva Pelé!
que os cães ladrem. nós o vimos jogar para a alegria dos brasileiros. mais um importante texto seu. eu até o perdoava quando fazia gols contra o meu botafogo.
que D`us o mantenha saudável, sem morte lamentável e agourada e a você, escrevendo
belezas pelos quatro cantos do mundo
Obrigado pelos bons votos, David. Vamos torcer para que o Negão aguente bem o tranco.
Um abraço,
Fernando
Fernando, a passagem dos dois amigos espanhóis está estupenda. Lendo, pude sentir a alegria deles. Pelé é um fenômeno. Você, que é viajado como ninguém, pode confirmar se é verdade ou não o que li uma vez. Dizem que nos States, quando as TVs anunciam o nome de uma personalidade, logo explicam de quem se trata – presidente da França, Rei de não sei onde, primeiro-ministro tal. O expediente só seria dispensado quando se anuncia dois nomes: papa e Pelé.
O que ele conseguiu com seus feitos foi excepcional. Foi efetivamente um dos primeiros cidadãos globais de que se tem notícia. E tudo isso pela habilidade extraordinária de se agigantar com uma bola nos pés. Sua fama se consolidou na década de 1960, nos tempos da TV a lenha por assim dizer. Gosto de vê-lo paparicado como merece. Sim, a cena do restaurante foi inesquecível. A expressão de meus amigos era de pura fascinação.
Abraço e obrigado pela visita ilustre a este espaço.
Fernando
Ótimo artigo Acho que Pele e feliz homenageado no mundo inteiro Estava numa aldeia montanhas Atlas no Marrocos e num pequeno bar havia um mural com dezenas fotos dele Realmente o cara e um patrimônio Parabéns para revista Será muito boa seria até interessante ela propor newsletter para leitores isso gera efeitos multiplicadores mandando por e-mail Abraços
Nunca esquecerei a cena de Acco, em Israel, à beira do Mediterrâneo. Eu tinha ido tomar um banho de mar, escapando dos rigores do calor do kibutz que ficava a uns 70 quilômetros de lá. Falamos de 1976. Três meninos árabes jogavam bola ao lado de uma mesquita pequenininha que ainda hoje está lá, perto do paredão. Pedi a bola e comecei a fazer umas mesuras. Eles riram com gosto. Quando me peguntaram de onde eu era, a alegria os fez querer me abraçar. Só diziam “Belé, Belé, very good, the best. We love Belé”. E assim foi em muitas plagas por esse mundo.
Obrigado pela visita, Claudio.
PS – Sugiro que você acompanhe por aqui nosso amigo Sergio Buarque, que professa uma linha de pensamento muito próxima à sua. E que talvez ainda não saiba que você é uma das melhores cabeças do país em história do pensamento econômico e sociologia.
Belo texto, Fernando Dourado Filho!
Você soube expressar muito bem a glória a que o rei Pelé fez jus ao longo de sua brilhante carreira nos gramados.
Lembro-me que em 1958, aos meus 11 anos de idade, incentivada por meu pai, ardoroso torcedor do Santos, tornei-me fã de Pelé, quando este encantou o mundo na Copa da Suécia. Depois disto, foram muitos e muitos jogos em que ficávamos hipnotizados diante daquela tela de TV cheia de chuviscos, assistindo aos famosos dribles do craque. Que beleza vê-lo jogar!
Mas o tempo passou e, para tristeza nossa, a vida real nos revelou o lado sombrio do rei.
Tal como o próprio jogador, que se refere a Pelé na terceira pessoa como se fosse um personagem, nós também constatamos que ali conviviam duas figuras antagônicas. Uma, a do Pelé em ação, das jogadas geniais que conquistaram o mundo e outra, a do mesquinho cidadão Edson Arantes do Nascimento, que tanto sofrimento infligiu a pessoas que o amavam e que inutilmente reivindicavam seu amor e atenção.
Para a posteridade, ficará o gênio Pelé das jogadas sensacionais, admirado por todos e eternizado em prosa e verso, imagens, vídeos, filmes, séries de TV e documentários, justos registros para futuras gerações.
Que assim seja, melhor assim!
Que as lembranças que fiquem sejam exclusivamente as do Pelé, monstro sagrado da bola. Quanto ao cidadão Edson Arantes, que suas cinzas permaneçam esquecidas para sempre sob alguns palmos de terra.
Sua posição é a mesma de meu amigo e colaborador da “Será?” Ivanildo Sampaio. Em artigo sobre o Rei, ele disse mais ou menos o mesmo. Sei que tenho uma posição meio azeda no que diz respeito às paternidades forçadas e à indústria da gravidez, que grassou em tempos idos. No fundo, talvez busque sofregamente atenuantes para o grande jogador. Melhor eu ficar mesmo com Pelé e calar sobre minha solidariedade a Edson. Obrigado pela vista, minha querida.
Fernando, não se preocupe com as atenuantes… rsrs… Pelé foi um jogador singular, único! Todos os méritos ao atleta em campo, que tantas glórias trouxe ao Brasil. E o país lhe é grato por isso!!!
Que assim permaneça! Ele lidou melhor com uma bola só.
Vejo na coluna “o que dizem nossos leitores” dois comentários. Um de Claudio Mendes e outro de Murilo Mendes. Informo, contudo, que não tenho como respondê-los porque o texto não aparece nesta página. Quando forem publicadas, e sanada a aparente falha técnica, responderei com prazer.
Falha reparada com louvor. Obrigado a “Será?”
Texto muito bom, embora discordando de algumas pequenas vírgulas sobre paternidade e maternidade irresponsáveis. Entretanto, Fernando, o que me prendeu de imediato foi a sua impressão a cerca do quanto angustiado ele parece estar. Quando o vi, também fui presa por essa impressão. Deve ser doloroso , para alguém com tanta mobilidade na juventude perdê-la, quase totalmente, não pela idade, mas por problemas de saúde. Como diz a sabedoria popular, o nosso inferno é bem aqui.
Sem qualquer duvidas, foi um atleta perfeito.
É, estou cada dia mais convencido de que envelhecer não é para os fracos, não é para qualquer um. Mesmo para um homem coberto de glórias e paparicos, Pelé sente o ocaso da saúde. E no entanto, meu amigo Claudio Mendes – um homem que sabe tudo – disse que fontes seguras asseguraram que Pelé continua capaz de sorrir e que leva uma vida divertida, apesar dos percalços. Isso já me fez ganhar o dia.
Não existe absolutamente nada que diminua os feitos esportivos de Pelé. Três copas, x campeonatos estaduais e brasileiros, jogos de chuva e sangue principalmente contra o Corinthians de Rivelino. Ele foi o melhor jogador de sua época e um exemplo e incentivo para muitos. No que se refere à sua vida particular, poderia ter agido de outra forma, não só no caso da filha. Ele sabe disso. Tem uma hora na qual todo homem tem que se olhar no espelho, e no fim da vida estes momentos aumentam.
Imagino que a idade coloque uma lente de aumento sobre certos aspectos. Basta o dilema íntimo e intransferível, ele por si só já é o castigo. Por isso acho dispensável o sadismo que leio nos jornais e nas redes sociais, invariavelmente ligado ao episódio da filha. Obrigado pela visita.
Abraço,
Fernando
Caro Fernando ao ver a foto de Pelé ao lado de Mbappé em Paris e depois sua internação tive o mesmo impulso em escrever. Lendo seu texto conextualizando glórias e momentos pessoais você fez uma radiografia do Brasil suas mazelas e virtudes e desenhou um processo de como estamos evoluindo aos trancos e barrancos no eterno processo de aprendizado de ensaio e êrro.
Obrigado pela visita, caro Geraldo. De fato gosto de partir da micro história para a grande, do específico para o geral. Faltam-me contudo duas coisas para fazê-lo bem: tempo e talento. Mesmo assim, fico contente quando alguém reconhece pelo menos a intenção.
Um abraço,
Fernando
Para quem disse que não queria mais saber do futebol depois da Copa, Fernando já começou a se empolgar de novo. Não concordo com a visão dele da questão dos filhos. Jogador é jogador. Pai é pai.
Tive uma recaída. Aliás, pais se contam aos milhões. Já Pelé é único.
O que põe uma nódoa na imagem de Pelé não é simplesmente o fato de ter rejeitado sua filha “bastarda”. É a motivação para isso: a moça foi gerada quando Pelé era adolescente ainda humilde e desconhecido, e a mãe dela era empregada doméstica. A filha era, portanto, uma lembrança de sua vida de pobreza, que ele, aparentemente, quis apagar.
Parabéns pelo texto, amigo Fernando.
Realmente não há majestade que saia ilesa de uma derrapada dessa, Clemente. Obrigado pelo comentário. A propósito, ouvi semana passada candentes elogios à sua distinta pessoa da parte de Rosa Freire d´Aguiar, viúva de Celso Furtado. Falou de sua elegância e inconfundível cavalheirismo. Por tabela, senti-me lisonjeado.
Um abraço,
Fernando