Baleia Rossi - MDB

Baleia Rossi – MDB

Moderação radical e um projeto de consensos para um país polarizado

Momentos de polarização política são comuns na história das democracias e não necessariamente produzem apenas efeitos perversos. Quando mediados por princípios democráticos e regulados por padrões formais e informais de convivência, esses períodos mobilizam as pessoas como poucos outros processos sociais: tiram os agentes públicos da zona de conforto, despertam o interesse pelas leis em votação, pelas alianças firmadas, pelos compromissos assumidos e pelo uso do dinheiro público.

Quando as lideranças locais se engajam em um dos polos, não passam despercebidas — o eleitor lembra em quem votou para vereador ou deputado justamente pelo posicionamento assumido. Essa identificação cria memória e acompanhamento contínuo dos agentes políticos, algo muito diferente do que ocorria no Brasil há 20 anos, quando poucos se lembravam de suas últimas escolhas eleitorais.

Contudo, esse sectarismo tem um lado autodestrutivo e acrítico: as forças políticas tornam-se incapazes de priorizar o bem comum, de contemplar os diferentes setores de uma economia heterogênea e de escolher, entre tantas “doenças”, os remédios certos.

É nesse contexto que o MDB iniciou, em fevereiro deste ano, a elaboração de seu novo programa partidário, que será lançado nos dias 21 e 22 de outubro, em Brasília, sob o título “O Brasil Precisa Pensar o Brasil”. O projeto sistematiza uma agenda de debates virtuais iniciados durante a pandemia e, desde o início de 2025, vem sendo coordenado pelo ex-ministro Aldo Rebelo e pelo ex-senador José Fogaça, que consolidaram temas e promoveram novas discussões na internet e em reuniões presenciais com lideranças estaduais.

O esforço busca marcar uma posição de centro, caminho também perseguido por partidos com diálogo tanto com o Lulismo quanto com o Bolsonarismo — como o União Brasil e o PSD —, concentrando-se em pautas programáticas e pragmáticas. Esses partidos têm como principal marca a capacidade de construir convergências, e o MDB, por sua tradição, o faz apoiado em projetos que marcaram a redemocratização pós-regime militar.

Foram promovidos debates com algumas das maiores referências nacionais em diversas áreas, disponíveis no YouTube. Economistas como Samuel Pessoa e Paulo Rabello de Castro discutiram os desafios do desenvolvimento. No agronegócio, participaram Roberto Rodrigues (ex-ministro da Agricultura) e Evaristo de Miranda (ex-presidente da Embrapa). Em educação, houve contribuição de Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação, e, em políticas sociais e saúde, de Laura Müller, João Gabbardo e Maurício Serpa. Em relações internacionais, destacaram-se Luís Antônio Paulino (Unesp) e Hussein Kalout (CEBRI).
Também estiveram presentes lideranças políticas, como Baleia Rossi, Simone Tebet e Michel Temer, além de intelectuais e analistas como Pablo Ortellado e Renato Meirelles.

Em síntese, trata-se de um projeto ousado, não apenas pelo nível das personalidades envolvidas, mas por destoar de um cenário dominado por rivalidades quase pessoais. Ao reunir lideranças que não se posicionam rigidamente em um dos extremos, o MDB busca propor convergências e compromissos claros sobre o que fazer, mais do que com quem fazer.

Essa postura de “moderação radical” aproxima-se do conceito formulado por Aurelian Craiutu, cientista político francês e professor da Universidade de Indiana, inspirado na Institutional Analysis and Development (IAD), base da teoria que rendeu a Elinor Ostrom o Prêmio Nobel de Economia em 2009. Craiutu defende que a moderação política não é neutralidade, mas um exercício de realismo democrático: coordenar pluralismos, estabelecer limites públicos às concessões e garantir condições institucionais para que todos tenham espaço no diálogo. Em outras palavras, trata-se de assegurar o direito de mudar de ideia e a dignidade de quem perdeu as eleições.

Dada a diversidade dos atores envolvidos, o histórico dos coordenadores e a coragem de fugir dos personalismos, pode-se dizer que o “Pensar o Brasil” cumpre os requisitos dessa nova moderação.

O “Pensar o Brasil” nas inflexões históricas do MDB

A tradição do MDB de formular documentos estratégicos em momentos de crise nacional vem de longa data. Foi assim com “Esperança e Mudança” (1982), organizado pela Fundação Pedroso Horta, que influenciou a Constituição de 1988 e o ciclo social-democrático das décadas seguintes. Também com “Ponte para o Futuro”(2015), que deu sustentação ao governo Michel Temer após o impeachment de Dilma Rousseff. E mais recentemente, com “Todos por um Só Brasil” (2022), que buscou reunir forças não ideologicamente alinhadas.

O novo projeto mantém essa tradição, mas com um foco distinto: em vez de disputar diretamente a presidência, pretende reconstruir consensos a partir da base social, retomando a vocação do MDB como partido da convergência.
Sob o título “O Brasil Precisa Pensar o Brasil”, o documento organiza-se em sete eixos temáticos, apresentados em debates nacionais e regionais:

  1. Reformas políticas e institucionais; governança e inovação na gestão pública
  2. Capital humano – educação, primeiro emprego, ciência e tecnologia
  3. Meio ambiente – matriz energética, sustentabilidade, Amazônia
  4. Economia – desenvolvimento, infraestrutura e dinamismo regional
  5. Políticas sociais – rede de proteção e inclusão produtiva
  6. Segurança pública e justiça

Nenhum dos temas é tratado de forma conclusiva ou harmônica: todos envolvem dilemas e trade-offs. A proposta é abordar tensões reais — entre governança e transparência, proteção social e produtividade, sustentabilidade e competitividade — para construir soluções concretas.

O maior mérito do processo é o método participativo, que reuniu 21 encontros virtuais e 25 regionais, promovendo diálogo técnico e político em torno de pautas estratégicas. A vitalidade do MDB, segundo o texto, está menos em marcar posição e mais em reconstruir racionalidade e moderação no debate público.

E o que esperar?

Assumir “O Brasil Precisa Pensar o Brasil” como trampolim eleitoral seria precipitado. Mais do que uma plataforma de candidatura, trata-se de um marco de compromisso público para orientar alianças, programas e ações. Seu foco são dilemas concretos — políticos, sociais, econômicos e ambientais —, não utopias ou discursos fáceis.

O material produzido é vasto e rico, com potencial de mobilização nas redes sociais e nas bases regionais. Se bem aproveitado, pode inspirar debates em outros partidos e consolidar um novo ciclo de vida política baseada em diálogo e convergência, em lugar das trincheiras ideológicas.

O que se espera, em última instância, é que o novo programa do MDB ajude o Brasil a pensar com serenidade, agir com equilíbrio e reconstruir consensos.