Editorial

Mal saído das emoções da Copa do Mundo e do final feliz da aventura dos “javalis selvagens” na Tailândia, o mundo sofre o doloroso impacto dos sangrentos episódios da Nicarágua, onde jovens estudantes, indígenas e gente humilde do povo enfrentam desarmados a truculência de um novo ditador.  Daniel Ortega, líder revolucionário que pôs termo à ditadura dos Somoza, e cujo pai lutou ao lado de César Augusto Sandino, o herói nacional daquele país, parece agora integrar-se à galeria de governantes totalitários que, por cerca de quarenta anos, infelicitaram a sua pátria. E arrisca-se ao destino deles.  Anastácio Somoza Garcia, o primeiro, foi assassinado por um jovem revolucionário que, em seguida, teve o corpo estraçalhado pelas metralhadoras dos seus guarda-costas. Somoza Debayle, o segundo, explodiu com o seu automóvel, em um tiro de bazuca recebido em sua visita ao Paraguai. O último, Somoza Portocarrero, ainda sobrevive, exilado nos Estados Unidos.  Ortega, vitorioso na Revolução Sandinista dos anos 70 do passado século, elegeu-se presidente do país em 1984, com 70% dos votos, perdeu depois três eleições seguidas, e voltou ao poder em 2006.  Desde então, aos 72 anos de idade, não quer mais largar o osso, como é de regra com todos os tiranos.  E, para completar o quadro das tiranias, tem a mulher como vice-presidente.  Em um dos países mais pobres das Américas, perdendo apenas para o Haiti, agora diante de estatísticas sombrias como a morte de mais de 300 manifestantes, grande parte constituída de jovens universitários, enfrenta a rejeição de toda a sociedade civil da sua terra, da Igreja, da Anistia Internacional, da comunidade de países democráticos, de quem mais?  O que evidencia, antes de tudo, que um regime que não se renova tende à degradação. Quaisquer que sejam as boas intenções dos chefes de Estado, suas crenças, sua formação, acabam por degenerar-se e sacrificar os seus compatriotas. Mais de que nunca, a democracia deve ser proclamada como valor universal.  Sem ela – o pior dos regimes, com exceção de todos os outros, como dizia Churchill –  não há esperança de melhores dias para a humanidade.  Que o povo sofrido da Nicarágua encontre o caminho de sua redenção, é só o que podemos desejar. E, de alguma forma, lutar por isso.